Deixe sua criatividade descobrir a airbnbização
Os efeitos da airbnbização em duas cidades da América do Sul
O fenômeno "Airbnb"
Quando falamos de compartilhar um quarto, um apartamento ou uma casa, o Airbnb é a plataforma digital de referência, especializada na locação temporária de imóveis. A companhia tem sido embaixadora de um novo modelo de alojamento turístico que, igual do que outras corporações, têm aproveitado as inovações tecnológicas e os câmbios socioculturais para se espalhar pelo mundo, provocando uma ruptura nos padrões já estabelecidos na sociedade, disseminando atividades livres de regulação em mercados específicos de bens e serviços.
Além disso, o boom do turismo urbano da última década, favorecido pela rápida popularização das plataformas de alojamento, têm desafiado as formas tradicionais de hospedaria ao permitir o acesso a setores da cidade que antes tinham pouca ou nenhuma participação turística, criando tensões no mercado de habitação e promovendo mudanças significativas no cotidiano das áreas mais residenciais.
Como se dá o fenômeno Airbnb nas cidades Sul-americanas?
Para responder a essa pergunta, nos enfocamos em estudar os possíveis impactos do Airbnb no mercado de aluguel das cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires, por serem os dois destinos que mais possuem imóveis listados na plataforma, e cuja representação ultrapassa cidades altamente estudadas nos países do norte global. Sendo que 90% dos aluguéis de curto prazo nas duas cidades estão listados no Airbnb, atingindo uma margem de 22.000 anúncios, em Buenos Aires, e 35.000 no Rio de Janeiro, durante o período de 2019.
Além disso, as duas metrópoles se caracterizam por apresentar problemas históricos de superpopulação, alta desigualdade socioespacial e déficit habitacional, sendo que atualmente um em cada cinco habitantes vive em habitações precárias, número que, segundo projeções da Comissão Econômica para América Latina, crescerá nos próximos anos diante de maiores dificuldades de acesso à moradia agravadas pela pandemia de Covid-19.
Assim, analisamos comparativamente a distribuição dos listados de Airbnb no território das duas cidades e sua relação com o parque de aluguel residencial e aspectos sócio demográficos daqueles bairros onde a atividade tem penetrado com maior intensidade.
Capítulo 01 | As plataformas de alojamento e o dilema do “compartilhamento”
Inicialmente, as práticas relacionadas com a Economia Colaborativa eram sem fins lucrativos e estavam inspiradas em modelos de bens comuns, caracterizados pelo acesso gratuito e temporário a recursos e serviços. No entanto, o conceito foi cada vez mais ajustado para descrever uma série de novos sistemas econômicos que envolvem transações por meio de plataformas digitais, que atuam sob práticas de natureza massiva, representando uma expansão da economia de mercado, agora digitalmente, organizada e mediada por empresas comerciais, afastando-se das raízes do movimento original do “compartilhamento”, o que alguns autores chamam de Capitalismo de Plataforma.
Em relação ao setor do alojamento turístico, as plataformas digitais experimentaram uma expansão sem precedentes, oferecendo uma alternativa ao negócio tradicional de hospedaria, agora em uma escala virtual e global. No caso específico do Airbnb, o recurso “compartilhado” é a moradia, pois permite converter o valor de uso de uma habitação em oferta de alojamento, por meio de um software criado para que as pessoas troquem bens (acomodação) e serviços (experiências) a câmbio de uma transação monetária (reserva).
Embora o diferencial do Airbnb se baseie no modelo de “habitação compartilhada”, hoje muitas das maneiras pelas quais as casas são alugadas na plataforma não cumprem os princípios da economia colaborativa nem podem ser consideradas modelos de alojamento colaborativo, já que em geral o anfitrião não está presente no momento de receber o hóspede e grande parte dos anúncios correspondem a propriedades inteiras com uma alta disponibilidade ao longo do ano, contribuindo assim para a mercantilização do imóvel como hospedaria em detrimento do aluguel como moradia.
Capítulo 02 | Airbnbização das cidades: os efeitos do Airbnb no mercado de aluguel residencial
Assim, quando a intensificação desta atividade ocorre sem nenhum tipo de controle, pode causar conflitos em aqueles setores onde a habitação resulta ser um bem escasso e caro, contribuindo à redução do estoque de aluguel residencial, especulação do mercado imobiliário e consequente deslocamento da população local para outras regiões mais acessíveis. Esses impactos estão sendo analisados sob o conceito de Airbnbização, definido como um processo pelo qual o mercado de aluguel residencial é reduzido em favor do mercado de alojamento.
A expansão do Airbnb em várias cidades do mundo está sendo objeto de estudos e debates principalmente, porque se argumenta que o uso massivo do aplicativo em bairros com uma forte demanda turística contribui para a perda do caráter residencial das moradias a serem alugadas permanentemente como acomodação turística, sobretudo nos locais mais bem localizados e equipados da cidade.
Além disso, cada vez mais existem empresas profissionalizadas no aluguel de casas e apartamentos, o que se reflete em uma alta concentração de anfitriões com múltiplos anúncios, interessados na acumulação de capital pelas elevadas taxas de lucro adquirido em menor tempo, pois a renda costuma ser maior do que o aluguel residencial e os compromissos contratuais são menores.
Capítulo 03 | O fenômeno do Airbnb nas cidades da América do Sul: como se dá a sua expansão no território?
Na última década, a indústria do turismo na Argentina e no Brasil apresentou um grande desenvolvimento, ao ponto de se tornarem potências turísticas no continente sul-americano. Antes da pandemia, os principais destinos da América Latina já representavam um 11% do total de reservas do Airbnb em todo o mundo. Na atualidade, as possibilidades futuras são incertas, podendo abrir oportunidades para os governos aplicarem regulamentos ou também flexibilizar o controle da atividade para dar prioridade às demandas turísticas e reativar o setor econômico em um cenário pós-pandêmico.
Para esta pesquisa, as cidades de Buenos Aires e Rio de Janeiro foram escolhidas por serem grandes destinos urbanos de países diferentes, com o objetivo de explorar semelhanças e particularidades, a fim de obter uma visão mais ampla do fenômeno e compreender a dimensão espacial do alojamento turístico mediado pela plataforma. Assim, o estudo foi realizado a partir do recorte da oferta de Airbnb para março de 2021, tendo como referência os dados do censo de habitação e população de 2010.
Apesar das particularidades de cada cidade, em ambos os casos, a oferta dos anúncios não se distribui de forma aleatória no território, mostrando uma concentração de propriedades nos espaços centrais e localidades próximas da zona costeira e centros turísticos. Tanto em Buenos Aires quanto no Rio de Janeiro, o Airbnb se insere com maior intensidade em bairros com características habitacionais e socioeconômicas que favorecem a consolidação da atividade, excluindo áreas periféricas de baixa renda.
Capítulo 04 | Efeito potencial no mercado imobiliário: diferença de aluguel e renda